Terça, 14 de março de 2023 - Rio de Janeiro
E não é que voltei aqui no dia seguinte?
Quem sabe isso aqui não está realmente se tornando um diário, no sentido pleno da palavra? É muito cedo para afirmar, mas já fico feliz com o movimento.
Ando pensando muito nessa coisa de amor-próprio e nesse momento acredito que ele anda bem relacionado ao conceito de primeiramente se aceitar de verdade, na essência. Se amar com suas qualidades e defeitos, apesar de tudo que a vida fez contigo. É aprender a se olhar nas minúcias e se entender; se contemplar. Compreender que tudo que você se tornou, é fruto de anos de caminhada, tropeços, recomeços, mais tropeços, algumas capotadas, um monte de sorrisos, lágrimas, mágoas, arrependimentos, amores... É muita bagagem que carregamos. Muita coisa para assimilar, digerir e aprender a lidar. E nossa, quando a gente se permite se conhecer dessa forma, é realmente um exercício muito profundo, muito difícil em alguns momentos, mas bem bonito. É lindo ir se conhecendo devagarinho.
Na teoria parece alguma coisa bem simples e trivial, afinal, é só prestar atenção em você mesmo e, bem, a gente fica na própria companhia o tempo todo. Se essa coisa de autoconhecimento fosse fácil, não tinha tanto livro de autoajuda por aí e eu não tava aqui escrevendo esse texto tentando me conhecer e me amar um pouco mais, né? E nem tenho a pretensão aqui de achar alguma resposta lapidada em pedra, sabe? Provavelmente a Regina de amanhã vai ler isso e falar "ih, olha como eu pensava, que bobinha!". E eu acho isso fascinante, pois todo dia estou disposta a aprender e a crescer, afinal, sei lá quantas chances eu vou ter para evoluir, né? Não sei o dia de amanhã, então hoje é mais ou menos por aí. É nisso que acredito.
Eu ando enxergando esse processo quase como uma saída de armário, visto como um grande "assumir o que sou, como sou, no que acredito, quais os meus valores de verdade" e um grande "foda-se" em relação a todas as castrações que já recebi ao longo dos anos. É muito difícil pra mim me aceitar um pouquinho como eu sou e isso faz com que eu venda uma imagem totalmente distorcida de mim mesma. E é engraçado que eu não minto em momento algum, eu apenas destaco detalhes non gratos e omito tudo o que eu tenho de mais bonito, que mora dentro de mim. Afinal, eu já parto do princípio de que serei rejeitada, já que me vejo como uma pessoa deslocada, errada, torta, incorreta, chata, que incomoda... Como vão me descartar mesmo, eu prefiro que eles descartem essa Regina que eu permito que seja vista. Que já se vê como um lixo, que não se ama. Assim, dói menos, o lixo fica mais acomodado na minha cabeça. E é importante frisar aqui que essa minha versão piorada é como eu realmente me enxergo, não é uma roupa que eu visto de vez em quando. Faz mais sentido acreditar nessa versão, que em qualquer outra, pois é ela que condiz com a lógica, pois é a forma que eu sempre fui tratada. Isso é para mensurar minimamente o tamanho do meu buraco, que foi construído desde criança.
E é aí que vem, olha como é na infância que a gente se quebra inteiro! Porque eu não nasci assim. Pelo contrário! Quando criança, era muito divertida, espontânea, palhaça, espoleta, criativa, esotérica (muito!), cheia de fé, que acreditava que era sortuda e ganhava tudo que era sorteio, que acreditava que era uma artista e realmente era - afinal arte é algo que vem de dentro. Eu me expressava de mil formas: montando meu próprio palco e atuando, criando os meus programinhas de TV, cantando, dançando, escrevendo tudo o que eu sentia e imaginava, desenhando, pintando... e eu cagava baldes para a opinião dos outros, porque ali eu estava apenas sendo eu mesma, comigo mesma, em família, com meus amigos.
Mas a vida foi acontecendo e comecei a ouvir críticas pesadas em relação a tudo que eu era, que meus comportamentos eram histriônicos, que menina não pode ser tão agitada, que tem que sentar assim, que tem que falar assado, que não era tão inteligente, que o que eu acreditava não existia, que não era bonita, que era medíocre em tudo, que não devia ter nascido, que tudo tava torto, errado, sujo, feio... E fui me escondendo para algumas situações, poucas. Até que um dia aprendi a me esconder de mim mesma até quando sozinha. E eu sabia que estava fazendo isso, e fiquei feliz de ter conseguido me enterrar tão bem, pensando "pronto, agora ninguém mais vai conseguir me ver. Nem eu". E agora lascou: estou tocando a campainha dos meus 35 anos e não faço a mais puta ideia de quem eu sou, tenho procurado, tenho boas pistas, mas não sei "me colocar em prática", "me assumir"... não sei sair do armário!
E esse movimento de escrever o que eu sinto funciona um pouco pra mim como uma saída de armário sutil. Ao escrever, tenho um ambiente seguro comigo e os meus sentimentos. Devagarinho, vou dissecando uma emoção, vou juntando os pensamentos vagos que passam pela minha cabeça em vários momentos e vou organizando tudo em um texto. Por que, não sei como são as outras cabeças, mas a minha tem um treco engraçado: quando estou digerindo algum assunto, não paro e penso por horas inteiras sobre ele. Em geral, vou pensando o tempo todo, um pouquinho por vez. Aí vou pensando sobre aleatoriedades, quando uma coisa me leva a outra e vou entendendo um treco que aconteceu, e como se manifestou em mim. Daqui a pouco dou uma divagada sobre alguma coisa nada a ver, faço umas coisas práticas e, em seguida, vou concluindo que algo se manifestou de tal forma para que eu aprendesse tal coisa... e assim vai. Quando eu percebo, passa um, dois, três dias e eu fui entendendo cada dia mais alguma situação, até que eu finalizo o processo de digestão, me limpo e sigo adiante. E é aquilo, organizar todos esses pensamentos e ler depois o que eu aprendi com o processo é realmente algo muito terapêutico, além de ser uma forma muito sincera e honesta de me expressar e, de certa forma, me mostrar. E aqui, eu tô nua e crua demais da conta. Uma suruba expõe muito menos!
Sair do armário, em qualquer ato que seja, é uma expressão de amor-próprio muito poderosa. É se assumir na essência, nas qualidades e nos defeitos; é conseguir enxergar o que se tem de bom e mostrar sem medo de crítica, de julgamentos. É erguer a cabeça e agir daquele jeito destrambelhado que todo mundo sempre falou que é errado e se sentir confortável nesse lugar, por que é o seu jeito de ser. Entendo que existem situações específicas que precisamos de maturidade e certos decoros que as convenções sociais nos impõem, mas elas devem ser raras. A gente não pode ficar se podando para caber dentro de uma sala, quando na real a gente é uma árvore. O problema é a sala que não me cabe porque eu sou grande, mas eu sou uma árvore, o que eles querem? Que eu caiba numa porra de uma sala? Não faz sentido algum, sabe? É contra a natureza da árvore! Vai ficar linda castrada numa sala, segundo o arquiteto, mas ela tá ali, podada, sem graça, chocha, no meio da sala, apenas sendo linda, agradando todo mundo, mas deixando de ser o que ela é de verdade: uma árvore grandona! (E sim, é específico e tenho uma árvore na sala. Sou uma castradora de árvores, aparentemente, e só me toquei disso agora. Tóxica!)
Acredito que o grande lance realmente seja esse “se assumir”, que é um puta grito de liberdade. Quanto mais a gente se castra, se prende no armário, finge que não sente, que não machuca, tolera, aceita pra agradar e cuidamos do outro, mas não nos cuidamos; mais a gente se perde de nós mesmos. E no início até toleramos bem esse distanciamento, vamos convivendo com essa casca achando que tá tudo certo. Mas chega um ponto que o coração da gente, de tão vazio, não consegue mais lidar. Começamos a tentar entender o que tá errado, o motivo de não sentirmos mais que estamos vivos. Pelo menos era assim que eu me sentia, podia estar fazendo alguma coisa que eu queria demais, que não sentia prazer algum naquilo. É uma sensação de vazio que derruba qualquer um.
E foi assim que comecei a buscar o tal do amor, de tanto procurar nos outros, ouvi que nunca vou achar. Já que preciso encontrar em mim, foi em mim que o amor se apagou. Aliás, foi POR MIM que o amor se apagou. E é a máxima, né? Se a gente não se ama, como vamos aceitar que somos merecedores de qualquer forma de amor? É nesse momento que aceitamos qualquer mesquinharia de afeto, qualquer comunicação passivo-agressiva com um carinho depois já conquista a gente. E pelo amor de Deus, que péssimo se dar conta disso, né?
Então eu sigo aqui, neste momento, tentando sair do armário, tentando me amar como eu sou, tentando regar a minha árvore, colocando ela num jardim bem bonito e deixando crescer. Vai ter gente que vai falar que ela é muito grande, desajustada, desengonçada. Mas também vai ter quem admire os galhos, as folhas, as flores e pode achar que faz uma sombra gostosa. terão passarinhos que podem fazer ninho. Vai ter artista que vai se inspirar e pintar um quadro, sei lá... Só sei que não tem como agradar a todos, mas tem como agradar muita gente, sabe? O importante é aceitar que no final das contas, pelo menos pra mim, preciso ser uma árvore grande e lindona, já que essa é a minha natureza!
E vamo que vamo, bora chutar essa porta!