Eu tava num uber com um motorista que achou legal falar que "só tem desempregado porque ninguém quer trabalhar", que "tem muita mulher aí engravidando só pra ganhar o bolsa família" e que "pessoal quer tudo fácil"... Fui falando de boa que tem várias questões políticas, sociais e econômicas aí e tal... Até aí, tudo bem, mais um liberal agindo normalmente, a gente sabe que discutir às vezes não leva a nada.
Até que passamos na frente de um viaduto com algumas pessoas em situação de rua e ele: "Alá, um bando de vagabundo drogado! Oferece trabalho pra eles, não querem! Só querem vida boa! Uma vez um cara veio me pedir dinheiro, aí falei que se ele lavasse meu carro, eu pagava e ele não quis, um encostado! Aposto que queria o dinheiro pra comprar cola. E mais, se você leva ‘essa gente’ (sic) para um abrigo, eles não ficam. Eles querem é ficar na rua, lá eles se drogam e todo mundo dá esmola!"
Isso doeu na minha alma de um jeito, que quando vi tava passando um esporrão no cara, que foi maior que minha boca!
Sinceramente, uma pessoa em situação de rua não está ali porque quer, isso não existe! Todo mundo quer dignidade, teto, comida, banho quente... abrigo pra alma!
Na rua, a pessoa é exposta a tanta vulnerabilidade, que honestamente, se drogar é o mínimo, se entorpecer em alguns casos se faz necessário, senão a gente surta. Ou a gente não bebe uma cervejinha pra relaxar quando o dia foi difícil? Imagina o caos que passa na cabeça de uma pessoa que não pode nem dormir sossegada, porque alguém pode chegar e meter uma pedra na sua cabeça? Que não sabe se vai comer naquele dia, enquanto a barriga dói de fome; que sente frio; que passou e pode, a qualquer momento, passar por qualquer tipo de violência e abuso; que anda na rua como se fosse invisível, como se não existisse, já que as pessoas não querem nem saber deles… Isso porque não tô nem pontuando que cheirar cola engana a fome. E fome é cruel demais!
A gente não sabe a vivência das pessoas, o que as leva a chegar numa situação dessa, mas uma coisa a gente TEM QUE SABER: Não é fácil, é desumano, é injusto, é uma questão de falta de política pública, econômica e social. Não é vontade própria, não é falta de empenho. O cara que vende bala no sinal, não vai sair da rua se passar todos os dias incessantemente fazendo isso. O Silvio Santos não enriqueceu vendendo caneta! Isso é falácia desse discurso hipócrita da meritocracia, pra esse bando de herdeiro rico se sentir melhor quando anda na rua e vê alguém nessa situação.
Se você tem o PRIVILÉGIO de chegar em casa, tomar um banho gostoso e comer uma comida fresquinha com a sua família, você tem mais é que enfiar a viola no saco e agradecer todos os dias por isso. Não tem que ficar apontando o dedo pra quem tá passando perrengue, não! Até porque, quando você aponta um dedo para alguém, voltam mais três para você. E isso fala muito mais da sua relação com trabalho, que sobre o cara que tá pedindo esmola. Provavelmente, esse bosta deve ter noção que na real ele não se esforça como deveria e sabe que podia fazer mais. Mas não faz e fica se vangloriando do seu empenho medíocre, falando que os outros fracassaram.
Quando se nasce privilegiado, numa família estruturada, você não tem direito de apontar o dedo para ninguém. Toda vez que chover, por exemplo, você tem que agradecer porque tem abrigo e cama seca; lembrar que ali fora, na sua esquina, tem alguém que tá tremendo, com frio; e, se possível, ajudar de qualquer forma que estiver ao seu alcance. Não dá para mudar o mundo, mas dá para ajudar quem tá por perto às vezes. Não precisa nem ser sempre! Se não consegue fazer caridade por altruísmo e empatia, é bom começar a fazer. Quem sabe, assim, você não aprende a olhar mais o outro?
E por incrível que possa parecer, consegui falar isso tudo de forma equilibrada, sem elevar meu tom de voz e no final ainda falei que não tava falando isso tudo com raiva, mas, sim, com excesso de amor e compaixão pelo próximo e, também, por ele - que se pensar sobre o que eu falei, pode ter a oportunidade de melhorar enquanto ser humano e fazer alguma coisa que preste dessa existência.
A gente só vem pra cá para aprender a amar. E isso é difícil pra caralho, né?
Por essas e outras, que agradeço tanto aos Exus que me acompanham, que nunca permitiram que eu ouvisse essas coisas sem sentir dor na alma, sem me incomodar. Que me ensinam tanto, todos os dias, inclusive hoje. Nossos guias são pura luz!
Laroyê, Exu!
