quinta-feira, 16 de março de 2023

Consumismo Afetivo

Desde ontem que estou queimando muito a minha mufa, divagando horrores sobre o tal do amor próprio. 

Mas antes de chegar nessa parte, quero começar pensando aqui sobre o amor em si. 

Eu acho que o mundo anda meio quebrado nesse quesito, sabe? Porque se normaliza o desamor o tempo todo, na nossa cara e nem notamos. Quantas vezes não ouvimos frases péssimas como: "eu só brigo porque eu gosto"; "eu te bati porque te amo"; "ele te xingou porque na verdade gosta de você"? Onde tem amor em "brigar", "bater", "xingar"? O amor não envolve nada disso; ele é o que ele faz! 

Associamos o amor ao oposto do que ele é, nisso, quando estamos em situações que definitivamente não são amorosas, acreditamos que se trata de uma forma de expressar esse sentimento. E quando pegamos esse conceito totalmente cagado de amor e colocamos em prática nos nossos relacionamentos, aí é que tudo desanda mais ainda. Se a gente for ver, a maioria das relações familiares é tóxica e invasiva. Às vezes, o maior atalho para o autoconhecimento e a autoestima, é justamente se afastar da nossa família. Porque as expectativas, as regras, as condições, os acordos que surgem nessas relações geralmente sufocam qualquer um que venha de um lar saudável. Quem vem de família desajustada não pode nem pestanejar: a cura da alma mora nesse afastamento. E é libertador quando você o faz! 

Os relacionamentos afetivos começam sem amor de verdade desde o início, na conquista. Vivemos em uma sociedade capitalista (nunca podemos esquecer disso) com um cardápio enorme de possibilidades amorosas, são muitos os matches que podemos dar por aí. E isso gera uma sensação de que sempre tem algo novo a ser descoberto, que nada é bom o suficiente. Então, cogitar um relacionamento em tempos de "amores líquidos"*, já é um desafio por si só. Quando começa a pintar um clima mais legal, o casal começa a fingir que não gosta. Afinal, não pode mostrar muito interesse, senão o outro não vai ter o que conquistar. Como se a gente se resumisse apenas a instintos de caça e desafios; como se não existissem expectativas para o futuro, sentimentos, a tal da química... 

O ponto aqui é que essas ligações iniciais se tornam cada vez mais frágeis e delicadas, já que não existe fagulha de amor o suficiente para segurar qualquer coisinha maior que possa surgir, porque, na prática, o tempo todo somos bombardeados com matches nesse consumismo afetivo. Já nos relacionamentos oficializados, as pessoas tendem a jogar para o outro a responsabilidade de preencher essas lacunas que a falta de amor deixa. E, vai, é difícil conversar e explicar o que queremos, quando nem a gente sabe o que é bom pra gente. Isso quando as pessoas conversam, porque com o celular, as pessoas quase não fazem mais isso. O que eu acho mais engraçado é que as coisas eram pra ser mais fáceis, já que hoje temos esse aparelhinho nas nossas mãos, o tempo todo, possibilitando encontros, conversas. Mas da mesma forma que é fácil se conectar com alguém, também é fácil se desconectar. E, pra piorar, é tanto tempo na frente de telas, que parece que as pessoas estão perdendo a capacidade de se comunicar com o coração, sabe?

Olhando para tudo isso, fico pensando que é importante demais se conhecer na essência antes de se relacionar com outras pessoas. Precisamos entender o que somos, as coisas que gostamos, como que nos acalmamos, o que faz nossa espinha arrepiar, quando que nossa barriga fica cheia de borboletas e o que a gente escuta que deixa nossas bochechas mais quentinhas. Isso é ir se percebendo. Depois vamos descobrindo as coisas pequenas que nos ferem, os vazios que sentimos, os momentos que nos calamos quando deveríamos ter falado. Começamos a nos impor e a nos respeitar mais; deixamos de permitir os abusos e passamos a deixar claro quando eles acontecem. Devagarinho, vamos nos tornando mais gentis com esse euzinho interno, passamos a ter uma relação mais respeitosa com a gente mesmo, vamos nos tornando mais leves, e é aí que a vida fica melhor, mais simples. 

Se conhecer é lindo demais, é respeitar seus sentimentos, é honrar a sua caminhada, a sua vivência. É se olhar com gentileza e afeto e perceber que você é cheio de qualidades. É não sentir o prazer egóico do "super eu" dizendo que o "eu mesmo" é ruim, feio, errado, esquisito. É ser livre pra ser o que é, e isso é visceral, é salutar! Nesse momento, começamos a aprender - quase que instantaneamente - os momentos de dizer "não", que antes era tão difícil de detectar. Claro, agora você se conhece e se respeita e não vai ser qualquer um que vai tirar casquinha de você! E isso acontece bem de mansinho, você tá vivendo de boa e um dia fala um "não" que nem você sabia que deveria ter falado, mas percebeu que realmente não gostava quando colocavam o garfo no seu prato e que isso não é egoísmo, mas sim respeito pelo seu espaço. Entende? Acontece naturalmente. E quanto mais você vai se conhecendo, se respeitando, mais você percebe que é merecedora de amor, de respeito, de cuidado, de carinho... e você mesma começa a se tratar dessa forma, antes de mais ninguém, você entende como que gosta de ser tratada e vai sendo essa pessoa contigo mesma. É estranho, eu sei! Mas na prática, devagarinho, tá sendo assim, mesmo! 

E você vai levando esse respeito para as suas relações, vai dizer os seus limites para as pessoas que te sufocam, não vai permitir que aquela tia rebaixe o seu nome na sua presença, não vai você mesma tacar o seu nome na lama quando for conhecer uma pessoa, não vai aceitar que invadam o seu espaço e por aí vai. Se conhecer e se amar, realmente se admirar e curtir muito a sua própria companhia, faz você entender o que você ama, o que você não abre mão em você. E aí você vai lapidando como pode ser um relacionamento saudável para os seus padrões, para a sua verdade, quais os seus limites, o que você não pode abrir mão, como você gosta de ser tratada. Você para de aceitar desamor mascarado de carinho, de forma de se expressar... não fica mais justificando "é o jeito dele", ou "era sono", você olha e pensa "foi desrespeitoso e eu não mereço ser tratada assim. Afinal, eu só tratei essa pessoa com carinho." 

Chegar nesse lugar é poderoso demais, ao mesmo tempo que é verdadeiro demais. É no momento que eu me acolho, me escuto, me dou voz, me respeito e me admiro, que eu me amo de verdade, na minha verdade. É um processo longo e árduo, mas que vale muito a pena a caminhada. Eu ainda estou nessa longa estrada do amor próprio, mas acredito que estou conseguindo cortar os matos no meu caminho para encontrar o amor em mim mesma. 

E obvio que agradeço muito aos meus guias, que sempre me aconselham e me ensinam tanto. Eles fazem meu caminhar ser mais leve e amoroso! 

Um dia eu chego lá! 

 



Nota: Sei que repeti muitas vezes a palavra "amor" no texto, e eu até pensei em ir cortando na revisão. Mas não quis, eu acho que a busca pelo amor deve ser cheia de "amor", mesmo!




* Aqui eu tô phyna e cito Bauman, inclusive, indico o livro "Amor Líquido" dele.