quinta-feira, 23 de março de 2023

Looping de Gatilho

É engraçado quando a gente nota como nossos traumas interferem nas nossas atitudes e no nosso comportamento sem sequer percebermos. Um dos meus maiores machucados é o abandono, e ando descobrindo que tenho algumas formas de lidar com ele. Eu começo com a minha imagem, que sempre vou distorcer para mostrar o meu pior para as pessoas, ou pelo menos vou ofuscar o que tenho de melhor. Faço isso por já partir do princípio de que não serei aceita, logo, prefiro ser rejeitada pelo o que NÃO SOU, que pelo o que SOU. 

Como em geral sou amorosa, não consigo demonstrar o que eu sinto dessa forma, na realidade eu fujo para não dar pinta de um possível afeto. Aí o que eu faço? Não falo quando quero falar, não faço muito carinho, não pergunto como o outro está, não escuto o que a pessoa tem para falar, evito saber muito para não me apaixonar... e por aí vai. Mas não faço esse movimento somente por conta dos meus gatilhos, faço também porque a maioria das pessoas também é gatilhada e acaba fugindo quando percebem que a gente gosta. O que me leva de volta para o BO mental do abandono. Olha o looping sem fim de gatilho!

Acontece que esses comportamentos são extremamente tóxicos. Para mim e, principalmente, para o outro. Todo mundo quer ser amado, bem tratado, ninguém se relaciona para não receber algum carinho em troca; relacionamentos afetivos, como o próprio nome diz, são feitos de afetos. E já que é pra tacar a merda no ventilador, eu ainda faço pior que não demonstrar: eu adoro fazer carinho em quem eu gosto, cafuné, beijinho, massagem, denguinho e falo fofurices, porque eu sou assim, na real. Aí quando me afasto, bate a insegurança do abandono e eu já logo me transformo numa pessoa fria. Ou fico evitando ouvir tudo o que a pessoa tem para falar pra não me apaixonar e me machucar quando for abandonada. Mas, nossa, eu confundo demais a cabeça dos outros agindo dessa forma. É óbvio! Ninguém entende o que de fato é essa troca e isso cria uma dissonância cognitiva; quando me tratam assim eu fico toda bagunçada! 

E me dar conta de que eu sou tão tóxica é complexo demais pra mim, já que minha maior filosofia e busca na vida é me tornar um instrumento de amor de Deus, é pra isso que estou desenvolvendo a minha mediunidade. Eu quero poder ser um vetor de amor por aí, adoro cuidar das pessoas e isso é visceral, é genuíno, me faz bem na alma. Cada dia que um amigo me pede ajuda e eu posso ajudar, sinto que meu dia fez sentido. Já são 10 anos me empenhando em não ser alguém que causa dor no outro, e eu me dedico sinceramente a isso, presto atenção de verdade, peço desculpas quando não consigo ser boa e realmente tento consertar. Me cobro demais em relação a isso e, inclusive, vigio para às vezes não errar a mão e esquecer que eu também preciso cuidar de mim. É muito mais fácil cuidar dos outros, do que de mim, devo admitir. Mas isso é outro papo.

O ponto aqui é que não faz o menor sentido ter a minha cabeça e se comportar dessa forma. Não é nem racional, se a gente parar para pensar. Eu me cobro tanto e não percebi esse movimento como algo tóxico, pois sempre pensava que eu não mentia nem iludia ninguém. O que é verdade. Só que não importa muito se eu não prometo nada, mas trato a pessoa com um monte de dengo, aí não procuro depois e sumo sei lá por quanto tempo, aí apareço e sou uma fofa. Olha só que caos! Não posso ser assim, não tem quem ache isso agradável e saudável, porque definitivamente não é!

Não satisfeita em desvendar meus comportamentos, descobri que eu busco relações de abandono, como uma forma de "vencer" o descaso que sempre me machucou. Eu passei por um milhão-quatrocentos-e-cinquenta-e-nove-mil momentos em que me senti desprezada desde muito pequena. Algumas situações envolveram muita violência e sempre a sensação de que eu não merecia ser amada; já que nunca fui acolhida, ninguém me defendeu na maioria das vezes que eu precisei. E, em alguns casos, as pessoas que deveriam me proteger, conseguiam ser piores que a situação em si. 

Sendo assim, é como se eu me interessasse mais por pessoas com maior potencial de abandono; não só porque eu já conheço esse lugar, mas também por querer conquistar o afeto de quem pode me rejeitar. Só que diante do meu comportamento anterior, essa sensação de rejeição é bem provável de acontecer. E aqui coloco "sensação" porque de fato não escolhemos nossos desejos. Apenas desejamos, ou não; então a rejeição não é algo que o outro faz, é simplesmente uma falta de desejo, que o outro não controla, só não sente. Ao pensar assim, não existe essa coisa de rejeição, porque não é uma escolha, e isso já liberta de um monte de gatilho.

Quando eu repito que não quero um relacionamento enquanto não aprender a me amar, não falo de forma leviana, como se fosse um desdém de quem está solteiro fazendo a phyna evoluída. Claro que eu adoro um chamego, é bom demais ter alguém para contar o seu dia, para te dar um colinho e dormir de conchinha, é uma delícia poder ouvir e cuidar de quem faz o mesmo por você. Acontece que para ter isso, é preciso estar curado de um monte de dor, senão as chances de machucar o outro são enormes. E, para além disso, a probabilidade de criar um relacionamento ruim também é grande. Eu ainda não tenho amor próprio para dizer os "nãos" que preciso falar, para me respeitar, para não aceitar determinados tratamentos. Antes de pensar em colocar alguém na minha vida, tenho que ter essa sensação de pertencimento de mim mesma. 

Quando estou namorando, eu sou daquelas namoradas que enchem o boy de chamegos, dengos, café da manhã bonitinho, colinho, massagem, cafunés... sabe o que eu percebi? Que nunca faço essas coisas pra mim, nem sei quando foi a última vez que fiz massagem no meu próprio pé! Nesses dias, comecei a me tratar como eu trato os boys, cheia de mimo! Estou me cuidando mais e com mais carinho; estou fazendo comidinhas bonitinhas e afetuosas; não estou me xingando quando esqueço alguma coisa em algum lugar, ou quando sou estabanada... Estou num movimento de me respeitar mais, de honrar a minha história, me acolher na minha vivência, não me cobrar tanto, me permitir errar, me mostrar sem medo de julgamento. Nossa, difícil demais, mas libertador ao mesmo tempo. 

Estou entendendo cada dia mais o que é essencial pra mim, o que eu busco para a minha vida e o que eu não tolero nela. E é entender isso que faz com que a gente se conheça e se entenda para preencher os espaços que geralmente esperamos que o outro preencha. Mas essa não é uma função do outro; que tem que completar os próprios vazios e não os nossos. 

Acredito que é nesse momento que se é possível construir relações verdadeiramente amorosas. Ao se conhecer, você entende o que busca numa relação e no outro, e se respeita para manter isso de forma efetiva na relação. Quando mais nova, teve um momento que eu buscava me esconder para caber nas relações, para agradar o outro e, assim, não ser abandonada. Isso vem de uns moldes que a sociedade e alguns parentes e parceiros entubam na gente como o que é certo, ou errado, no nosso agir. Hoje, enxergo que esse movimento foi extremamente rude comigo, eu mereço mais. Me diminuir para caber numa gaveta pequena que separaram pra mim é muito pequeno; muito vazio de amor. Esses dias ouvi que o ideal é "não mais tentar ser amado por aquilo que a gente NÃO consegue ser. Mas, sim, tentar ser amado por aquilo que a gente NÃO consegue NÃO SER." E é exatamente isso que venho tentando fazer. 

Um dia eu chego lá, um passinho de cada vez!